IA no mercado financeiro: dos testes à operação e ao impacto direto no negócio

A tecnologia deixou de ser uma aposta para se consolidar como uma realidade concreta e, acima de tudo, estratégica no setor.
Estamos vivendo um momento de virada de chave no uso de Inteligência Artificial Generativa (GenAI). A tecnologia deixou de ser uma aposta para se consolidar como uma realidade concreta – e, acima de tudo, estratégica – no setor financeiro brasileiro.
Segundo a pesquisa “Sua jornada para um futuro com IA generativa”, encomendada pelo SAS e conduzida pela Coleman Parkes Research em 2024, seis em cada dez bancos já implantaram pelo menos um caso de uso de GenAI em seus processos. O que antes era explorado em ambiente controlado de testes começa a ganhar escala e visibilidade real.
Esses dados revelam que entramos em uma nova etapa de maturidade tecnológica: a fase de aplicação prática, com impacto direto nas engrenagens do sistema financeiro – desde operações e processos até a competitividade do negócio.
No entanto, essa transformação exige mais do que entusiasmo com as novas possibilidades. Ela demanda visão estratégica, governança sólida e coordenação eficaz entre os agentes envolvidos – desde líderes de negócio e conselhos administrativos até profissionais de tecnologia, compliance e regulação.
Como apontado no Capco Journal 60, no artigo “How Corporate Boards Must Approach AI Governance”, a responsabilidade pela governança da IA já não pode ser delegada apenas às áreas técnicas.
Cabe aos executivos assumirem um papel ativo, indo além da supervisão passiva e adotando modelos proativos de autorregulação e compliance.
A confiança na tecnologia precisa vir acompanhada de estrutura de controle, avaliação de riscos e transparência. Para isso, empresas devem mapear os temas críticos da IA – como robustez, enviesamento, atribuição de autoria, impacto ambiental e direitos de propriedade intelectual – e posicioná-los em uma matriz de risco e regulação, definindo o nível de supervisão adequado para cada um.
Ao mesmo tempo, para que a GenAI gere valor real, é preciso fugir da adoção superficial. Seu uso precisa estar ancorado em problemas bem mapeados, com objetivos claros e métricas de sucesso definidas. O risco de encarar a tecnologia como uma solução universal ainda existe e pode comprometer os resultados quando não há maturidade suficiente na abordagem.
A infraestrutura é outro ponto que merece atenção. O setor financeiro convive com sistemas legados complexos, alguns com décadas de operação. A integração entre essas plataformas e a GenAI requer uma engenharia cuidadosa, que preserve a estabilidade e a segurança sem frear a inovação.
Nesse contexto, a mentalidade empresarial também precisa evoluir. A IA Generativa deve ser tratada como um produto, ou seja, com estratégia de implementação, visão de retorno sobre o investimento (ROI) e foco em impacto real. Projetos bem-sucedidos partem de diagnósticos sólidos, priorizam casos de uso com potencial concreto de transformação e se adaptam continuamente com base nos aprendizados obtidos.
Olhando adiante, os modelos multimodais, capazes de interpretar e gerar não apenas texto, mas também imagem, voz e vídeo, devem expandir ainda mais as aplicações da tecnologia. A convergência com robótica inteligente já começa a ser discutida como próxima fronteira, sinalizando que o movimento atual é apenas o começo.
Neste caminho de evolução, os chamados agentes de IA ganham protagonismo. Mas essa solução, que promete um novo salto tecnológico, exige reflexão profunda sobre quando e como usar a GenAI. Não se trata de automatizar o pensamento crítico, mas de ampliá-lo com responsabilidade. O papel humano – com julgamento, contexto e ética – segue sendo insubstituível.
Para o setor financeiro, a mensagem é clara: a GenAI não está mais no horizonte, e sim no presente. Ignorar esse avanço é abrir espaço para um negócio perder relevância no mercado. Por outro lado, abraçá-lo com método, visão, governança e responsabilidade representa uma oportunidade real de transformação e de sustentabilidade de uma operação.
*Luciano Sobral, sócio e head da operação brasileira da Capco